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segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Mercado tira pesquisadores de universidades brasileiras

PATRÍCIA BASILIO
DE SÃO PAULO (Folha de São Paulo, domingo, 04/09/11)
Com a carência de mão de obra técnica no mercado de trabalho, empresas entram em universidades para assediar mestres e doutores. O intuito é reforçar o time de pesquisadores para adiantar tendências, desenvolver produtos e alavancar vendas.
Esse é o caso de Marcelo Nishikawa, 42, pós-doutor em genética pela USP (Universidade de São Paulo). Contratado pela multinacional Monsanto há 11 anos, hoje ele é gerente de biotecnologia.
A mudança de rota fazia parte da ambição de colocar em prática o conhecimento acadêmico. A dedicação exclusiva à universidade deu lugar a aulas esporádicas.
Para Maurício Rossi, diretor de RH da Roche Diagnóstica, "cientistas são fundamentais porque levam conhecimento técnico ao mercado".
Alexandre Rezende/Folhapress
Após nove anos na academia, a pós-doutora Rita Alves migrou para a iniciativa privada para crescer na carreira
Após nove anos na academia, a pós-doutora Rita Alves migrou para a iniciativa privada para crescer na carreira
Apesar da alta de 514% e 1.174% no total de mestres e doutores, respectivamente, formados de 2008 a 2009, fazer com que eles migrem para empresas é desafio. "Muitos recusam a proposta porque estão acostumados com a academia", explica Rossi.
Em 2009, 3.667 mestres foram intitulados. No mesmo ano, 968 doutores receberam diploma, segundo dados mais recentes da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).
Pós-doutora em processos químicos, Rita Alves, 52, foi contratada há dois meses como gerente de inovação e tecnologia em processos petroquímicos da Braskem, de resinas, para gerenciar novo time de pesquisadores.
Após nove anos na academia, ela passou à iniciativa privada para "dar um passo" na carreira. "Quero trazer talentos da universidade para minha equipe", diz.
ASCENSÃO LENTA MOTIVA MIGRAÇÃO
Depois de atuar seis anos com pesquisa em ciências moleculares na USP (Universidade de São Paulo), a pós-doutora Sandra Sá, 34, saiu da academia em 2006 para trabalhar com pesquisa na indústria farmacêutica Roche.
O motivo, diz, foi "a falta de valorização e os baixos salários dos pesquisadores".
Há dois anos, foi promovida a gerente de projetos em sequenciamento genético. "Comecei a crescer como sempre desejei na minha carreira", afirma a executiva.
A adaptação ao novo estilo de trabalho, contudo, foi demorada. "Levei seis meses para acostumar-me com a rotina e os mecanismos da organização", lembra ela.
Alessandro Shinoda/Folhapress
Sandra Sá abandonou a pesquisa na área de ciências moleculares para trabalhar na indústria farmacêutica
Sandra Sá abandonou a pesquisa na área de ciências moleculares para trabalhar na indústria farmacêutica
Para tentar manter o laço com a academia, Sá participava de congressos e bancas. A prática, no entanto, foi interrompida pela falta de tempo. "Trabalhar em empresa absorve toda a energia."
Casos como o de Sá não são isolados, segundo Ronaldo Aloise Pilli, pró-reitor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Os melhores talentos da instituição, ressalta, "são constantemente assediados pelo mercado".
IDEALISMO
A evasão de pesquisadores, no entanto, é "insignificante", afirma Pilli. "O salário do mercado pode ser mais atrativo, mas o que move o pesquisador a continuar na academia é o idealismo e a flexibilidade", justifica.
O coordenador do curso de MBA em tecnologia e inovação da FIA (Fundação Instituto de Administração), Isak Kruglianskas, concorda que o salário seja um entrave. "Ainda que a universidade dê espaço para o pesquisador investir em suas ambições, o salário desmotiva", considera.
Enquanto um professor doutor iniciante tem remuneração em torno de R$ 8.000 na universidade, um pesquisador com mestrado que atua em multinacional pode receber o dobro, segundo especialistas ouvidos pela Folha.
Não é só o salário que conta nesse tipo de mudança. O ritmo acelerado de trabalho em empresas privadas motivou a decisão de Bruno Betoni, 33, de deixar a academia para ser pesquisador da multinacional GE em Munique (Alemanha), em 2008.
"Aplico o conteúdo que aprendi desde a graduação até o doutorado", conta ele, hoje na GE do Brasil.